"Fonoaudiologia é uma arte que merece ser mais amplamente conhecida. Você não pode imaginar as acrobacias que sua língua mecanicamente executa para produzir todos os sons da linguagem”, Jean Dominique Bauby, foi Editor Chefe da Revista ELLE em Paris, após ter um AVE e precisar de tratamento fonoaudiológico.

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sábado, 13 de outubro de 2012

Pimentas e Saúde Mental

A minha querida amiga Maíra Barczewski me deu te presente de aniversário um livro de crônicas, Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo, do sábio Rubem Alves. Ainda estou me deliciando páginas a dentro deste livro reflexivo e envolvente, mas acho que já passei pela minha crônica favorita: Capítulo 5. Saúde Mental.

Eu não gosto muito de publicar postagens CTRL+C/ CTRL+V - aquelas que a gente compartilha qualquer bobeira que outras pessoas estão escrevendo por aí, ao invés de dar a cara a tapas escrevendo o que a gente pensa - mas... eu acho que vai ser válido usar Rubem Alves na minha tentativa de promover saúde por meio do blog. Aliás, a rotina de trabalho tem me consumido e eu não tenho tido tempo para postar informações e experiências que eu gostaria de compartilhar por aqui. Então, não vou perder a oportunidade de fazer pelo menos essa postagem CTRL+C/ CTRL+V! ;-)

Não entendo muito bem como funciona a legislação sobre direitos autorais, mas acho que não é crime compartilhar um capitulozinho do livro por aqui - na melhor das intenções! Aqui vai... com licença, Sr. Rubem Alves...


Saúde Mental
Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.

Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecilia Meireles sofria uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou-se. Todas elas, pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.

Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem-unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa.

Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. 

Somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais"- símbolos que formam os programas e ficam gravados na memória do computador.

Nós  também temos um hardware e um software.O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Assim como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem. 

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco, há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software, há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das pertubações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas. 

Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado.

Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e de se comover. Imagine mais, que a beleza seja tão grande que o hardware não a comporte e se arrebente de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.

Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental até o fim dos seus dias.

Opte por um soft modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. E muito cuidado com a música! Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir pensamentos Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o software pensará sempre coisas iguais. E há os programas obrigatórios de televisão, especialmente no vazio dos domingos.

Seguindo essa receita, você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas, como você cultivou a insensibilidade, não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus SONHOS. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram. 











2 comentários:

  1. Muito bom o texto, não conhecia.Rubens Alves consegue passar sua mensagem sem parecer autoritário,genial. Valeu Patrícia por compartilhar ele.

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