"Fonoaudiologia é uma arte que merece ser mais amplamente conhecida. Você não pode imaginar as acrobacias que sua língua mecanicamente executa para produzir todos os sons da linguagem”, Jean Dominique Bauby, foi Editor Chefe da Revista ELLE em Paris, após ter um AVE e precisar de tratamento fonoaudiológico.

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sábado, 2 de março de 2013

Se for fazer "Teste da Orelhinha", que seja bem feito!

Microfonia Coclear: Não dá para confiar só na EOA! Mas que é lindo de se ver o funcionamento do corpo humano, isso é!

A gente já nasce e tem que "passar" em um monte de teste. Hoje em dia o recém-nascido (RN) passa por várias triagens, com o objetivo de verificar doenças, deficiências ou alterações que possam ser diagnosticadas e tratadas precocemente. Começou com o "Teste do Pezinho" e agora já temos o "da Orelhinha", "do Olhinho", "da Linguinha", "do Coraçãozinho"... Certamente, são avanços da medicina que vieram para promover o desenvolvimento biopsicosocial saudável da criança.

A regularização e, portanto, obrigatoriedade das triagens dos recém-nascidos nos hospitais públicos e privados demandou muitos estudos e discussões, com vistas a identificar a relevância e a viabilidade dos exames de triagem do RN. Pesquisadores, políticos e entidades de classe - por exemplo, as Sociedades Brasileiras de Fonoaudiologia, Otorrinolaringologia, Pediatria, Oftalmologia, Cardiologia - precisaram se unir para regulamentar os projetos de leis voltados à saúde da criança. Hoje, temos grandes conquistas, e me orgulho por poder participar da prática, das discussões, pesquisas e regulação do Programa de Triagem Auditiva Neonatal em Minas Gerais.

O que me preocupa, entretanto, são os hospitais e serviços que estão realizando a Triagem Auditiva Neonatal, o famoso "Teste da Orelhinha", sem os critérios clínicos estabelecidos, visando apenas cumprir a lei ou garantir mais uma forma de lucro. Na prática, vejo no Serviço de Diagnóstico Audiológico Infantil onde eu trabalho, onde recebemos para diagnóstico as crianças que falharam à triagem, que alguns profissionais estão despreparados para desempenhar essa importante tarefa. 

As diretrizes recomendadas pelo Joint Committee on Infant Hearing (JCIH) e Comitê Multiprofissional de Saúde Auditiva (COMUSA) devem ser criteriosamente seguidas. É importante invenstigar com propriedade a presença de Indicadores de Risco para a Perda Auditiva. Consanguinidade, Hiperbilirrubinemia com Transfusão Extrasanguíneo e Antecedentes Familiares com Perda Auditiva, por exemplo, são frequentemente despercebidos. A identificação de tais indicadores é muito importante, pois as crianças que os apresentam necessitam retornar para consultas de acompanhamento do desenvolvimento auditivo, mesmo quando apresentam resultados normais à TAN. Apesar da cóclea, órgão sensorial da audição, estar completamente desenvolvido desde a vida intra-uterina, a maturação das vias auditivas centrais inicia-se após o nascimento e completa-se por volta dos 18 meses de vida pós-natal. Por isso, é possível desenvolver alterações auditivas após o nascimento, que podem não ser inicialmente perceptíveis ao olhar dos pais.

Me preocupa, sobretudo, os serviços que estão realizando a TAN utilizando-se exclusivamente da pesquisa das Emissões Otoacústicas Evocadas (EOA). A observação de respostas comportamentais auditivas, especialmente a pesquisa do Reflexo Cócleo-Palpebral (RCP) é de suma relevância e é diretriz definida pela COMUSA. Atenção, mamães!!! Ao acompanhar seus nenéns ao Teste da Orelhinha, observe ou pergunte sobre o "barulho que faz o neném piscar"! Outro dia, recebemos no nosso serviço, uma criança que passou no Teste da Orelhinha, realizado exclusivamente com a pesquisa das EOA. Os pais, que já tinham uma outra criança com deficiência auditiva, atentaram-se ao comportamento auditivo atípico da criança e nos procuraram mesmo com os resultados "normais" à TAN. Após uma série de exames - EOA Transientes presentes, RCP ausente, Respostas Comportamentais Auditivas Inadequadas para Sino, Ausência de formação de ondas I, III e V ao PEATE com presença de Microfonia Coclear - identificamos nela a presença do que chamamos de Neuropatia, ou seja, uma Perda Auditiva Central. Dentre as perdas auditivas, o prognóstico é um dos mais reservados. É preciso tratamento intenso para estimular a oralidade por leitura orofacial. Em alguns casos, o Implante Coclear também pode ser uma alternativa terapêutica.

A história me comoveu; fico triste em saber que, se o RCP tivesse sido pesquisado, o diagnóstico poderia ter sido fechado mais precocemente. Por isso, faço este apelo aqui no blog: 

Se for fazer Teste da Orelhinha, que seja bem feito!